sexta-feira, 19 de agosto de 2011

DESENCONTROS E DESCOMPASSOS.


Paulo Clesson – Professor de história do Liceu de Camocim - CE

Entre o discurso e a ação existe certa distância que depende exclusivamente do sujeito que emite o discurso, seja este oral ou escrito. Não me esqueço de uma frase que ouvi há algum tempo atrás que dizia “as palavras comovem, mas é o exemplo que arrasta”, não me recordo o autor desta frase, mas a considero de profunda riqueza reflexiva, principalmente em dias, em que dizem por aí, que as grandes utopias foram dizimadas. A ideologia capitalista tende a propagar que os inimigos sociais foram dizimados e que as situações de desigualdade e miséria que se espalham pelo mundo são falhas de uma equação que o próprio sistema resolverá a qualquer momento, como se um sistema, fundamentado na concentração de renda e na exploração do trabalhador, pudesse resolver tais problemas, é lógico que não, a sociedade organizada é que luta para encontrar formas de sobrevivência e resistência dentro do próprio sistema.

É verdade que nas duas últimas décadas, as gerações de brasileiros caíram num certo desânimo, houve uma desarticulação quase que generalizada dos movimentos de cunho social e a impressão de calmaria econômica junto com a euforia do fim da repressão militar camuflou problemas históricos dentro de nossa sociedade como reforma agrária, disparidades regionais, corrupção, politicagem, descaso com saúde e educação, clientelismo, meio ambiente etc. Existe, em grande parte de nossa população, principalmente nos mais jovens, uma falta de esclarecimento sobre as novas velhas lutas sociais brasileiras que ainda não foram vencidas e, infelizmente, a prosperidade da economia, prosperidade que ainda não é para todos, junto com os grandes veículos de comunicação de massa que estão a serviço dessa estrutura, entorpecem nosso povo, pois criam a ilusão de que tudo está bem.

Hoje temos uma inversão absurda de conceitos e valores outrora vistos como positivos. Há décadas atrás, quem lutava pelos seus direitos era um cidadão, tinha consciência do mundo em que vivia, não era alienado, recebia até o apelido de revolucionário e para isso bastava apenas estar nas fileiras de alguma manifestação ou levantar um discurso inflamado em local propício, existia um ar de admiração e respeito por esses sujeitos, tudo bem, sempre existiram os do contra, aqueles que por estarem ligados as estruturas de poder ou mesmo por inocente ignorância, se mantinham distantes e indiferentes aos debates e ações políticas, mas a força desses, era subjugada pela coragem dos subversivos. As coisas mudaram, palavras como justiça, liberdade, igualdade, dignidade tomaram uma conotação atemporal, saudosista e subjetiva. Expressões como: luta social, valorização do trabalhador, organização popular, luta de classes adquiriram uma conotação de impossível, coisa do passado, sem sentido. Ações como manifestações e greves são vistas como atitudes de irresponsabilidade e marginais. Como as coisas mudaram! Os mocinhos viram vilões e os vilões viram mocinhos. A verdade é que o sistema político econômico que ora vivemos tem conseguido, através de estratégias vis, mudar o foco das pessoas e colocar uma máscara sobre a realidade e poucos são aqueles que conseguem ver para além das aparências e reagem.

Um reflexo dessa realidade controversa, estamos presenciando com a onda grevista dos professores da rede estadual de ensino do Ceará, enquanto muitos companheiros de profissão mostram a cara e dizem não as propostas imorais do Governo do Estado, no que diz respeito a remuneração e ao plano de cargos e carreiras, muitos ainda se escondem e se apequenam diante do poder coercivo da máquina estatal representada principalmente pelas CREDES e pelos diretores e coordenadores de escolas. É a concretude do que falei logo acima, o conceito de classe e luta social parece não ser conhecido por muitos educadores, me pergunto se esses conceitos foram retirados dos programas de sociologia e filosofia ou abolidos dos grupos de discussão das universidades que formam os profissionais do magistério, pelo que me consta essas disciplinas são comuns na formação de qualquer professor, portanto os conceitos acima são trabalhados, talvez não sejam acolhidos e ruminados, mas eles ainda estão lá.

Tudo bem, o sistema amedronta mesmo, mas é disso que ele tira a sua força, do medo, igual o conto do bicho papão que tira sua força do medo das criancinhas, o medo impede a reação, mas assim como o bicho papão, o sistema perde sua força quando perdemos o medo. Esse medo de alguns professores é resultante da incerteza de uma contratação no ano seguinte movida por perseguição política ou de ficar mau visto pelas instâncias superiores, e até serem tidos como profissionais sem compromisso. São justificativas legitimas, mas que a meu ver, apenas expressam a individualidade de uma sociedade onde eu me preocupo apenas com o meu bem estar, com as minhas seguranças, essas preocupações geram justamente o contrário, pois é no individualismo dos colegas que a coação do estado ganha fôlego e isso é uma lei natural, na natureza os predadores no topo da cadeia alimentar, como os grandes felinos, conseguem abocanhar suas presas depois que conseguem afastá-las das manadas, sozinhas, sem a proteção do grupo, a vítima está indefesa. Portanto, individualismo gera medo e o medo enfraquece as fileiras.

Por outro lado sabemos também que muitos professores são professores de momento onde a educação é apenas um “bico”, um quebra galho, de sorte que, para esses, educar é apenas um emprego e não uma vocação, o que é prejudicial para a categoria, pois quem chega de pára-quedas não chega para contribuir com a formação cidadã dos discentes, está ali pelo momento e quando tiver chance de saltar do barco assim o fará. Essa é uma estratégia do governo que reproduz na esfera do serviço público aquilo que o capital privado já faz, ou seja, promove à instabilidade e a rotatividade do trabalhador, esse não tem mais seguranças quanto a sua vida profissional, são as chamadas tendências do mercado; adéqua-se quem pode, fica quem quer, a conseqüência imediata disso é falta de identidade com seus iguais de profissão o que leva ao fator que foi discutido acima, o individualismo.

É preciso recuperarmos urgentemente a consciência de classe trabalhadora, como isso se faz? Não se parte da teoria, mas do conflito de interesses entre grupos, é preciso sentir na pele a dor da coletividade seguida de um sentimento raro a alguns colegas: coragem. O educador não pode ser um profissional de falácias, mas alguém que seja o reflexo daquilo que ensina, em que o discurso seja o supra-sumo de sua prática. Seria incoerente um educador, diante de seus alunos, falar de democracia, de justiça e de outros valores universais tão caros, se quando isso lhe é exigido deveras ele recua, como este profissional poderá formar cidadãos críticos e reflexivos se ele mesmo não o é.

Parabéns aos nobres companheiros professores do Ceará pela coragem e ousadia, estamos fazendo história e honrando a profissão que escolhemos aos que ainda não acordaram reflitam, é preferível os riscos de uma batalha a viver com o peso da omissão.

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