Alguns produtores tentam salvar o
gado, outros o vendem a preço de banana para o Piauí e Maranhão
Os animais
sofrem demasiadamente com a falta de água e pasto. Em alguns locais, como em
Independência, alguns já morreram. Para evitar a perda total, o jeito é se
desfazer do rebanho por preços irrisórios. Quem não se dá por vencido,
radicaliza: transforma o xique-xique em alimento.
Na Fazenda
Recife, em Independência, o quadro é desolador. O gado definha. O proprietário,
João Colares, passa as noites ao relento imaginando uma forma de salvar seu
rebanho e olhando para o céu à procura das nuvens, que raramente aparecem.
"Dá pena ver o seu João. Foi obrigado a vender 105 cabeças de gado, metade
das que possuía, para receber o dinheiro apenas em dezembro", conta o trabalhador
da fazenda, Antônio Alves Portela.
Numa parte da
terra, onde deveria existir pasto, se encontra uma vaca que morreu na última
segunda-feira. Pelo menos três outros animais só conseguem se levantar se for
com a ajuda das pessoas. "Tenho mais pena desse bezerrinho que nasceu há
duas semanas. A mãe está muito fraca. Já tomou soro e injeção de todo tipo mas
não reage. Sem se levantar, fica impossível dar de mamar. Por enquanto, outra
vaca está servindo a ele. O jeito é começar a dar ração logo nos primeiros meses
de vida, o que deveria ocorrer apenas oito meses depois".
Os bichos que
se encontram em situação mais precária ficam presos. "É perigoso eles se
soltarem, pois vão em busca de pasto e, se caírem longe daqui, podem morrer de
fome", relata Antônio Alves Portela.
Sem pasto, os
proprietários de animais não pensam duas vezes. Para salvar os bichos, vale
qualquer coisa. No assentamento Juazeiro, o chão seco e rachado, sem, portanto,
qualquer tipo de vegetação, não deixa outra opção ao agricultor José Fausto
Amaro. Todos os dias, sua foice corta dezenas de xiquexiques.
O fogo, usado
para retirada dos espinhos, torna o cactáceo disputado objeto de consumo pelos
animais. "Se a gente não fizer isso, os bichos morrem. Faz muito tempo que
não encontrava uma coisa dessas por aqui. É uma secura sem fim. Espero que a
chuva venha logo para recuperar o pasto e também para evitar que os animais
sejam maltratados por causa da sede", suplica, aos céus, José Fausto.
Às margens da
Avenida Sargento Hermínio, uma das principais de Crateús, os caminhões de
transporte de boi estacionam. Ali, pequenos produtores buscam salvar de alguma
forma seus animais. José Renan Pedrosa vendeu 27 cabeças de gado que custavam,
individualmente, R$ 2.500,00 por R$ 1.000,00. "Não dava mais para segurar
os animais. O pasto desapareceu completamente. Agora, é esperar que a situação
melhore para comprar depois o que der".
O destino do
gado é o Maranhão ou o Piauí, onde os efeitos da falta de chuva não são tão
severos. O mesmo caminhão que leva o boi magro, comercialmente desvalorizado,
traz de lá o boi gordo para ser abatido e vendido aqui no Ceará.
O agricultor
e comerciante Giovane Lacerda, que comercializa animais, garante que já levou
mais de 400 cabeças de gado para fora do Estado. Ele também se queixa da
situação.
"Algumas
pessoas tiveram um pouco mais de sorte. Aqui em Crateús, as chuvas são bastante
irregulares. Em certas propriedades, elas caem com uma frequência até razoável.
Em outras, praticamente na vizinhança, não cai um pingo sequer. É uma coisa
pouco comum mas que está trazendo muitos prejuízos", afirma Giovane.
É grande a
oferta de gado dentro do Estado. A tendência é de que os preços caiam mais
ainda. Segundo seu Geovani, alguns compradores de Campo Maior, no Piauí, um dos
destinos dos animais, pediu para que ele desse uma parada no envio do rebanho.
"Não sei como vai ficar a situação de muitos pequenos produtores. Hoje, há
dificuldade por causa da falta de ração e de água. Daqui a pouco, até para se
desfazer dos animais vai ser difícil", revela Giovane.
A perda
parcial das safras de milho e feijão já é fato consumado para a grande parte
dos agricultores cearenses, mesmo que haja uma improvável reversão no quadro de
chuvas. Enquanto muitos se preocupam agora com o recebimento do Seguro Safra ou
com outras alternativas capazes de fazer face ao problema, alguns ainda mantém
a esperança de obter uma boa safra.
Exemplo disso
é o médio produtor Júlio Alves de Lima, de 77 anos. Na zona rural de Ibaretama,
ao lado dos três filhos e de dois empregados, ele tenta, pela terceira vez
neste ano, a produção de milho. Ele, que é também aposentado, assegura que essa
é a pior seca desde 1958.
"A
daquela época e a de 1970 foram ruins. Mas, essa é a que mais me intriga, pois
chove vez por outra, mas de nada serve. Mesmo assim, vou fazer essa última
tentativa, já que, das duas primeiras, o milho não prosperou. Quero ver se
salvo alguma coisa e também o sorgo, que será bastante útil para garantir a
alimentação dos animais", frisa seu Júlio Alves. Na sua propriedade, de
120 hectares, tem 70 cabeças de gado e 40 ovelhas.
Outro
veterano agricultor de Ibaretama que não perde a esperança é Valdemir José da
Silva, 80 anos. Ele também compara o que ocorre hoje com o panorama vivido em
1958. "A seca daquela época castigou o sertão. Mas, pelo menos sobrou um
feijãozinho. Essa agora é pior. Não restou nada".
Seu Valdemir,
apesar de ver a lavoura de milho praticamente perdida, acorda todos os dias às
5 horas da manhã para pegar água na cisterna de uma vizinha. Em seguida, após
tomar café, se dirige até a lavoura "para limpar a terra. Sei que é muito
difícil, mas tenho esperança de que até o fim de maio ainda possa salvar alguma
coisa"
Em
Capistrano, a situação, segundo o prefeito Cláudio Saraiva, é de perda total.
"A grande ilusão foi a chuvarada que caiu durante o Carnaval. Muitos
agricultores se empolgaram e plantaram tudo o que era possível. O pior de tudo
é que o mato que servia de pastagem para o animal foi arrancado para o plantio.
O resultado é um desastre: 16 mil quilos de sementes perdidas, nem lavoura, nem
pasto. Não consigo mais dormir em paz. O meu celular toca em média 200 vezes ao
dia. As pessoas querem saber o que fazer. É muito difícil dar uma resposta
convincente ".
A presidente
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Capistrano, Maria da Luz de Matos,
afirma que as cisternas estão quase secas e que é preciso reativar os
carros-pipas. "A nossa sorte é que temos outras alternativas para
enfrentar os problemas ocasionados pela falta de chuvas".
Quem teve um
pouco mais de prudência foi o agricultor Newton Gomes, de 59 anos. "Apesar
da chuva do Carnaval, estava com a orelha em pé. Desconfiei de que poderia
acontecer algo assim. Só não pensava que fosse nessa intensidade. O certo é que
plantei só na metade do terreno. Com isso, pelo menos o pasto para os animais
está garantido por mais algum tempo".
Em Crateús,
na localidade de Barreiros, o agricultor Raimundo Sebastião de Souza, 62 anos,
plantou no seu único hectare de terra feijão e milho. As esperanças de que
possa ganhar alguma coisa com o trabalho na lavoura já não existem.
"Venho
todos os dias aqui catar um pouco de milho. Levo para casa para alimentar a
família. Pelo menos para isso está servindo. Nunca vi uma chuva tão traiçoeira.
Ela vem, traz esperança, e depois some. Quando a gente já nem espera, reaparece
novamente em quantidade muito pequena, insuficiente para trazer alegria ao
sertão. O jeito agora é a gente se virar como pode e esperar que em 2013 o
inverno seja dos melhores".(FM)
Nas cidades,
aparentemente, os efeitos da seca parecem imperceptíveis, já que as
dificuldades com a lavoura ou criação de animais ocorrem quase todas na zona
rural. No entanto, os reflexos indiretos já podem ser sentidos. Sem dinheiro,
os agricultores começam a diminuir a frequência com que buscam o comércio.
"A nossa
clientela é formada por 80% do pessoal que reside no interior, que não tem
condição de comprar tanto. Sem produção na lavoura ou venda de animais, por
exemplo, eles não têm como ganhar dinheiro e, consequentemente, gastar. A
quebra dessa cadeia já se refletiu numa queda do comércio", avalia Josefa
Saraiva, proprietária do Depósito Elizeu, no Centro de Quixeramobim.
Para ela, se
não houver uma mudança, a tendência é haver uma retração maior ainda. "Nós
aqui somos uma espécie de caixa de ressonância das pessoas que moram no sertão
propriamente dito. Os relatos que ouvimos são muitas vezes desesperadores.
Muita gente perdeu quase tudo na lavoura. Não sei como é que vai ficar a
situação dessas pessoas daqui para a frente. Talvez seja minimizada com algumas
ações do Governo".
Para o
pecuarista Francisco Alves Fernandes, os problemas estão só começando. "A
forragem já começa a faltar. O saco de resíduo passou de R$ 30,00 para R$ 50,00
e é difícil encontrar. A salvação é alugar um pasto fora do Ceará e mandar o
gado passar uma temporada por lá. Os pequenos produtores que estão vendendo
seus animais agora por preços ínfimos vão se ressentir muito depois".
O aposentado
João Monteiro da Silva, 74 anos, que possui uma barraca ao lado do mercado de
Quixeramobim, já enfrentou muitos períodos como esse. "A coisa está ruim
mesmo. Mas, não adianta ficar parado reclamando da vida. Daqui a pouco, começa
a chover e as coisas melhoram. Deus é pai e não vai deixar o sertanejo sofrer
por muito tempo. O que está acontecendo é para pagar muita coisa ruim que estão
fazendo por aí".
FOTOS: KID JÚNIOR
Texto: Fernando Maia - Repórter
Fonte
da Informação Diário do Nordeste